CARTA I

sábado, 22 de setembro de 2007

Meu querido:

Muitas coisas se passaram pela minha cabeça desde o nosso último diálogo. Preferi guardar todas elas comigo. Mas neste sábado finalmente consegui ficar sozinha e o que é oco parece ecoar. E este setembro tem sido tão agudo que é impossível desconsiderar até uma simples brasa de cigarro.
É uma das maiores secas dos últimos tempos. Ficamos deserto(s). Já são mais de cem dias sem água e queimadas diárias. E o que faço nesse tempo todo? Flutuo. É como se tudo estivesse suspenso.
Mas já é perceptível que algo está pra acontecer, pois o verde está voltando. Ainda misturado à cor das folhas secas, mas está voltando. Os metereologistas prometem calor, mas a primavera, que começa amanhã, ainda é misteriosa.
Lembra daquele poema que diz que guardar uma coisa é olhá-la e não escondê-la? E que é por isso se escreve, se diz, se declara? Então, acho que meu jeito de guardar é exatamente escrevendo. Porque eu te escrevo não apenas para te guardar, como disse naquela ocasião, mas também para me encontrar. Estou sendo repetitiva e exigindo um pouco da sua memória, mas lembra quando te disse que quando escrevo para ti, na verdade, estou escrevendo pra mim mesma? É assim.
De certa forma quer dizer também que eu me acho em ti. Parece muito, não?

Penso que uma carta não seria suficiente para explicar tim-tim por tim-tim porque é um estado tão diverso que é difícil iletrar... não é legível. Sim, nas cartas parece muito confuso. Talvez se fizesse uma tela impressionista ou um filme de prosa. Mas esse é o meio que acredito, às vezes, dominar.


Ouvi um poeta chato essa semana dizer que as cartas acabaram. Importante destacar que era um poeta chato desses de bairro que acha que fazia poesia marginal em outras décadas e hoje ele goza ouvindo um decassílabo. Perguntei-lhe sobre os e-mails e ele, nojentíssimo, apesar de forjar uma humildade, do alto das cadeiras longas azuis da torre, desconsiderou qualquer possibilidade de valor na tela. As cartas não só terminaram como ainda podem ser de amor. Imagine, amor neste século, ele diria.

A notícia do seu casamento, então, me fez pensar que talvez eu não possa mais te escrever cartas de amor. Se assim for, posso dizer mais alguma coisa? Porque ... (pausa) ... eu queria dizer que te amo.

(...)

Vou parar por aqui para não virar um estudo comportamental dos literatos ou mais uma dessas cartas de amor que se fabricam por aí.


Essa é minha resposta.