Reported
Speech

Para Liana

Agradeci a ela por ter me trazido pra aquela tela que tinha sido um pouco bússola, um pouco correio, um pouco caderno, um pouco rádio, um pouco relógio, um pouco casa. Agradeci por juntar os recortes e pôr ordem e lógica no que outrora me fazia dividida confusa esquartejada.
Olhava pra aquelas imagens e não sabia.
Não sabia explicar exatamente a saudade daqueles nove meses de casa porque minha casa tinha virado uma tela cheia de recortes, assim eu disse. E, ao mesmo tempo, eu era aquela ali de fora, bem de carne osso, em carne viva, e ao mesmo tempo essa aqui de dentro, era aquela ali de dentro dela, das frases, daquela cor, da asa vermelha sempre escondida que ainda nem se entendia pois ainda aprendia a voar.
“Estou aqui dentro, mas quero pôr as asinhas de fora”, eu disse.

“Mais Tarde”, ele entrou na conversa e disse.
Sorri.
Depois chora-minguei. E disse que andava chorando de emoção com uma facilidade espantosa para eu mesma.

Será que iria me encontrar
mais tarde?
– perguntei.

“Eu quero”, disse em seguida.

Contei que recebemos a chegada do frio abaixo dos 10. Guardei minha asa e fui dormir.

Acordei e demorei um pouco até decidir exatamente com qual assunto começar, pois há muitos dias acumulava impressões e frases para enviá-la. Mandei dizer que naquela segunda-feira lhe enviara uma tentativa: qualquer coisa como uma tentativa de enviar-lhe meus dias pelo correio.
Contava da incerteza do código de endereçamento postal e receei um pouco que não chegasse no destino. Mas era só um receio passageiro, pois, eu disse, tinha deixado qualquer medo de destino pra lá. Eu dizia que me atinha às sensações só, sobretudo quando sentia o vento de liberdade tocar meu rosto enquanto olhava o horizonte de esquinas, completamente despreocupada com qualquer impressão causada ou deixada no rastro do caminho.
“É tão intenso que muitas vezes é um pequeno transe e um ligeiro gozo”, eu disse.

Demorava um pouco, mas não muito, pensando no que exatamente eu devia dizer e deixava os meus dedos correrem espontaneamente pelo teclado como resposta. Resposta, como eco pra sua voz ou um recheio pra seu oco.

Minha amiga, minha querida amiga amante, comecei
tudo se compõe e se decompõe mesmo?
Estou aqui do alto desse avião, olhando a neve lá embaixo deixando tudo muito branco, pensando nos ciclos da natureza, das nossas vidas, ouvindo paulinho e agorinha mesmo li sua carta entregue em mãos naquele outubro... depois de me ler no passado, te pergunto: tudo se compõe e se decompõe mesmo?
Para onde vão esses baldes de amor que enchemos nessa vida, Consumimos ou eles simplesmente se decompõem e viram adubo num jardim de silêncio?
Sou eu agora como os reflexos e reflexões dessa imagem, cheia de hesitação e coisa por dizer. Estou em trânsito e quero chegar no amor de novo, eu disse.
Te mando um mês, algumas semanas, um final e o início do que vou ser. Feliz 2009.

Cartão Postal: William Eggleston, "En route to New Orleans".