o mar é imenso. escrevo ao vento da brisa marinha no passeio público escrevo. por que há tanto tempo? apesar de ter perdido o sol se pôr, ainda é dia e as nuvens passam rápidas sob as nossas cabeças. paro um pouco, respiro fundo e peço alguma ordem e calma para a minha. agora penso na descontinuidade do fio condutor. eu não caibo num fio condutor, já disse e essa frase é velha. mas agora penso que este cordão que se forma por dentro deve ser qualquer coisa como um fio condutor. ouço os passos calmos e quase silenciosos dele. Ouço seus passos se aproximando das costas dos meus ouvidos. Será que o ser que habita meu corpo lê o que eu escrevo? recebe qualquer coisa de efeito verbal por seu fio condutor? as nuvens continuam passando rápido pelas nossas cabeças. mas já me permito não pôr ordem para entrar no vazio da calma, no branco da calma. a calma é uma página em branco ou toda preenchida? penso na figura muda da escritora lendo, com os ouvidos, o meu relato. ela é dessas que usam só as iniciais como sobrenome. como "F.", "C.", como "B.". Agora penso no que vou dizer quando os passos chegarem. como vou relatar, falar de nuvens, iniciais e tópicos no acaso da vista do passeio público. como vou falar de nuvens pesadas sem descarregar? não quero chover, mas estou cinza, muito cinza. É este o setembro nove? Mesmo sem me libertar, eu vôo? Eu vim e agora cortarão minha asa? Ou me darão outra, para formar um par? Conjugo o verbo como se "eles", grupo de mais de uma pessoa absolutamente desconhecido, fossem os agentes da distribuição de asas por aí. Avisto um barquinho de longe, num mar imenso. Estou na terra e agora eu mesma sou um jardim com raízes crescendo na água. Uma lua, como unha, estampa o céu. A noite vem chegando. E o que eu digo a Ele? Eu disse à escritora e ao poeta, já disse tudo hoje, na tarde que vai se indo: eu não consigo escrever. eu não consigo escrever nem conto nem carta, nem mesmo as letras desenho, só inscrições garrancho. eu não consigo escrever, repeti. Eu não consigo mais nada de antes, eu disse e percebi como havia e há em mim a resistência em mudar de fase no vídeo-game. Sair da estabilidade de saber onde dar o soco para ganhar os pontos. Ele vai chegar com seus passos breves e eu não sei o que eu digo, penso de novo. Deve ter alguma vantagem nisso. Os homens conversam no banco do passeio público, as nuvens começam a ficar mais carregadas, pois vai anoitecendo e já podemos ver sombras. Imagino, então, não mais seu passo, mas sua sombra. Um violão, um cheiro de fumo, buzinas lá na via principal - deve ser 18 horas - e uma moça que estava atrás de mim e parecia também esperar por alguém vai embora. A luz é amarelo-alaranjada no passeio público, registro enquanto penso em quanto ele mudou e como a sombra começa a me impedir de escrever. Lembro do setembro passado e acho bom ter saído da tranca da casa, das paredes do apartamento de concreto, para estar debaixo dessas nuvens, que já estão quase negras de tão cinzas. Deve ser uma expansão de mim mesma, psicologizo. Isso inclui a minha barriga e evoco novamente, pelo acaso, o movimento contra o barrigacentrismo fundado há doze meses. O céu já está quase todo negro e seus passos devem estar bem próximos dos meus pés. Olho para trás pela primeira vez. Não gosto. Passei um, dois, muitos fins de semana olhando para trás, com intervalos semanais de aceleração em 36X. Agora quero parar nessa folha de papel. No instante dessa folha. Afinal de contas, estou grávida de um instante de dois. E estou prenha de terra e de mar à vista.
Só há alguns pedacinhos de azul celeste no céu. Por que me perco tanto de mim quando escureço? Pouso meu olhar no infinito como se tivesse sendo olhada por quem chega. paro um p