Fone de ouvidos. Janela aberta. Tudo escuro: só a luz da interface e a voz do ouvido.

Luíza Breu: 2,00 MB (2.108.309 bytes)

Sou nitidamente uma moça de seus vinte e quatro anos, de alta resolução que faço jus aos meus dois milhões, cento e oito mil e trezentos e nove bytes. Vivi minha vida toda neste deserto sem encontrar um par sequer. Essa é minha última noite na cidade. Tudo que eu consigo pensar é que é minha última noite na cidade e que alguma coisa deu errada nas previsões de Luzia. Luzia é a cartomante que me atendeu no último verão, na Bahia. Luzia me disse em janeiro que havia dois homens nas minhas cartas. Um, o rapaz que havia se casado e outro, que ainda estava por vir, que ela chamou de Imperador. Disse até que era muito bonito, informação que gerou mais ansiedade, porque logo depois de atravessar a primeira rua, minto, já no elevador do prédio do Candeal, onde minha mãe e minhas tias separadas já tinham estado naquele mesmo mês, eu já me sentia completamente apaixonada pelo Imperador. Sai a procurá-lo vorazmente pelas festas do verão. Cheguei a pensar que fosse Caetano depois de tê-lo encontrado duas vezes seguidas em festinhas no Rio Vermelho. Tudo me levava a crer que era Caetano meu Imperador já que eu estava lendo seu livro, ouvindo incessantemente seus discos e encontrando ele nas festinhas no Rio Vermelho. Cheguei a imaginar o grandissíssimo romance: eu sucederia Paula Lavigne e diria que Luzia me levara até ele. Mas Caetano não apareceu pela terceira vez, pelo menos não de corpo inteiro, embora tivesse me acompanhado todo o verão com seu livro e seus discos. Me vesti de columbina para encontrar o Imperador vestido de Pierrot, mas o suposto me deixou sozinha em plena terça-feira, gorda, cantando, desesperadamente “quem é você” na multidão mascarada. Depois de superada, as cinzas do carnaval eram minha esperança imperial. Delas brotariam não mais um Império de estação, e sim um rapaz que me trouxesse a longevidade e a elegância das palmeiras imperiais pelos mais de dez meses que me esperavam no ano. Fiz a mesma pergunta a mim mesma possivelmente duas milhões, cento e oito mil e trezentos e nove vezes: será que é ele? será que ela? toda vez, para qualquer flerte, qualquer rosto novo, qualquer um ou uma que cruzasse a minha busca. O fato é que Luzia disse que a previsão tinha duração de nove meses. Estamos em setembro, essa é minha última noite na cidade e, pasme, eu só encontrei o Imperador hoje! Ele é um moço de baixa resolução, apelidado de bigode, do qual o nome real desconheço e o apelido só sei porque fizemos uma disciplina juntos na universidade. No momento em que o vi senti uma nova e magnética atração por aquele rapaz apelidado de bigode, do qual o nome real desconheço e o apelido só sei porque fizemos uma disciplina juntos na universidade. Minutos depois, estática e distante, vou juntando as peças do calendário no quebra-cabeça de minha memória e entendo tudo: desde as festinhas de março que bigode e eu temos nos esbarrado por festas, padarias, entrequadras, corredores e eu, culpada, não tinha me dado conta que bigode era meu Imperador. Olhei, com olhos de ímã, séria e urgente para bigode e encontrei seus olhinhos miúdos, leves e de conexão à rádio. Por um ou três instantes sintonizamos nossos olhares, mas meu sorriso se desfez num gesto assustado e descrente ao me lembrar que aquela era minha última noite na cidade e nunca saberia o nome real daquele que nesses noves meses é procurado nas festas, padarias, entrequadras, corredores pelo nome de Imperador. É minha última noite na cidade e meu Imperador passou da validade.