Naquela noite fumei pela primeira vez naqueles três meses. Um israelita que mais parecia um latino, praticamente um israelita latin lover me arranjara o fumo e me dera uma boa quantidade pra que passasse os meus últimos dias. Me encontrei de novo com aquela uma que tanto me atormentava naqueles dias que antecediam a partida e que julgava decididamente superada depois daqueles cinco longos meses. Voltei a olhar pra mim mesma – a umazinha – novamente com aquelas pupilas dilatadas, mas nenhum esclarecimento fantástico. Só me lembro que escrevi qualquer coisa como “esse é o último dia do ano” e “estou chegando nos trinta”. Frases numa folha solta que acidentalmente levei comigo no avião e só por isso me lembro. Penso agora que seria essa mais uma prova de que a ansiedade nunca havia me deixado. Aquela uma sempre ali antecipando as crises e reforçando as frases feitas. As frases feitas nunca haviam me deixado. E ao mesmo tempo, naquela noite, eu era uma, outra e tão diversa que sentia mais que eu assistia aquelas cenas como se filmasse tudo com olhos que já eram alheios a mim. Eu tinha novos olhos, mas aquela umazinha não abandonara meu corpo. Estava por debaixo daquele inchaço, e o que havia por de baixo daquela uma, me pergunto agora, sem já saber exatamente quem pergunta.
Só sei que naquela noite enfim voltei a narrar tudo em português pela primeira vez naqueles três meses. Só não sei ainda de quem é essa voz.