Carta XX - O julgamento

Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa.

Carpinejar

Que história é essa de tempo? Que necessidade é essa de norte?
Só não quero correr, respondo ao juíz, depois do sequestro de voz. Quero fluir. Não, não, mas não consigo assim... seguindo o fluxo de carros sem saber o caminho. Exatamente? Não, também não sei exatamente onde quero chegar. Sei que quero subir escadas, destrancar portas e escrever paredes.
Bebo um pouquinho pra ter argumento. Transcorro. Experimento. Esperei muito tempo. Perdi muito tempo. Não, não me faça entrar nessa maratona de onde não se avista ponto final. Ir assim, sem verbo, pra poupar o fôlego dos membros?
Não, não, não. Caminho e proseio num tempo só.
Esse tempo de ponto-parágrafo me erra.
Transformei a forma para caber no silêncio, admito.
Paro tendo que continuar. Continuo sendo que parei há muito. O personagem Sem Nome nem se dá conta e continua. Continua de olhos fechados, sem ninguém que não ele e os seus sentidos.
Então, respondo depois, só consigo mover a ação se entrar em movimento mais vezes, para que assim, na ladeira, sem freio nem acelerador, me permita soltar as duas mãos do volante para sentir o gosto do frio na barriga da montanha-russa que é o tempo a dois. Neste dia, será súbito e não à segunda, à terceira, à quarta vista. Neste dia, não farei de ti mais personagem, Sem Nome. Pois escreveremos juntos, a 4 mãos e pernas, o passo do tempo real, livres dessa voz narrativa de quem se julga escrivã de cartas e relatos.
Mas por que fluir o que não flui?
Passo.
E ando de mãos entrelaçadas no nó frouxo.
Verdade que caminho sem juras e perco os dentes de leite, aos poucos.
Tenho é medo, Sem Nome. Vez em quando vem e bate e não escapo. Boto teu Sem Nome misturado aos condimentos pra virar tudo uma coisa só. Tenho é medo, Sem Nome. Olho pros lados, pro horizonte de possibilidades, pros olhos de Ceci. Tenho medo da tolice outra vez. Não, não me segura. Deixa que eu atravesso só. Tenho medo de ser atropelada. Tenho medo de cair. Me seguro, segura. Cai. Não cai. Cai. Não cai.
Cambaleio na minha confusão.
Admito, senhor juíz, eu gosto mesmo é de valsar. Gosto de valsas e cornetas.
Tenho medo do tempo não. Só não quero rodar outra vez. Rodar, rodar, até cair, só, na tontura seca e ávida. Marinheiro sou. Deixa que eu atravesso só as ruas do meu entendimento cego.
Se não posso narrar-te minhas linhas, não me amarre no nó do teu silêncio-sentença.
Acho que quero parar, confesso. Acho preciso a pausa deste ponto final, ainda que parágrafo.