A cartomante

Ela era loira, a cartomante. Me recebeu vestida como quem teve esmero em fazê-lo, equipada de brincos e anéis. Guardei na memória apenas que eram grandes e dourados. Ela era loira, simpática até e acho que tinha dedos e unhas longas, mas já não sei se isso cá já é do imaginário. Mandou-me sentar e sob a mesa cheia de panos coloridos, que pareciam cangas de praia, montes de diferentes tipos de baralho me esperavam. Ela fez uma oração, evocando não soube bem quem nem qual linhagem e me mandou tirar uma carta do baralho maior. Era a carta que definiria o meu momento atual, explicou. Permaneci calada como ela mesma me recomendou, pois disse que gostava de adivinhar sozinha tudo, apenas ouvindo o que o tarô lhe permitia saber.
Retirei uma carta, solene como pedia o ritual já iniciado no quartinho de consultas de Luzia. Luzia era a cartomante loira e misteriosa que me atendeu naquele dia de verão. Era verão no último mês do ano e sentia nada mais que um vazio enorme. E isso era tudo no dito momento atual em que entrei para consultar Luzia. Queria saber o que havia pra depois disso, se alguma coisa viria preencher o oco que já havia subido para meus olhos escuros e estava ali exposto caso Luzia não conseguisse ouvi-lo de suas cartas.
O enforcado, a carta doze, foi a que entreguei nas mãos da cartomante depois de repartir o baralho. Era a carta do presente e ela disse que não entendia como havia tanta tristeza por detrás daquele sorriso, posto que era belo e jovem e me mostrou a imagem do enforcado, preso pelos pés, dizendo este é o seu agora.
Mas o jogo ainda não havia começado. Ela embaralhou tudo de novo e disse parta. Eu o fiz e ela iniciou a leitura em voz alta, anotando quase tudo numa folha de caderno que seria minha no final da sessão. É pra você guardar e voltar a ver no futuro, me orientou. E nunca mais eu voltei a ver a folha.