O vagão parou, mas continuei em movimento por horas a fio. Até que chegou uma hora áspera e absurda quando fui acometida por uma dessas bruscas e repentinas freadas como a que um freio de mão provoca num carro em alta velocidade. Sei que desde lá desembarquei efetivamente nessa plataforma de realidade, onde me encontro perdida, sem reconhecer entradas e saídas, chegadas e partidas, portas e janelas. Procuro meus sonhos na bagagem, reconhecendo serem estes tudo que tive e que trouxe, mas os encontro necrosados, aos montes e aos pedaços. Vago agora nesta estação vazia e abandonada, mas de onde posso ver uma multidão de outros, que me olham lá de fora, tirando medidas da minha carne e conclusões da minha voz. Me sento num banco cor de sépia perto dos trilhos que já não levam nem trazem, apenas permanecem ali, mudos. Sento e espero. Espero sem esperança. Volta e meia, com os olhos cheios de nada, miro novamente os sonhos e me deparo com os devaneios juvenis e infantis que não são senão vômitos de ressaca na estação de uma vida real. Já não me vejo capaz de me embriagar de mim mesma e vivo na solidão desta plataforma que me faz só fisicamente existir. A realidade me corta em suas doses diárias de cacos e sua gravidade não me deixa voar. Sinto somente que desembarquei do trânsito e parei aqui.