Se minha vida é ficção e tudo que fiz nada mais foi que devaneio, gosto mesmo, mais que reler tudo, de escrever essas novas páginas. Quando realmente novas, elas são nada mais do que a vacuidade de algo intensa e completamente branco. O nada dessa brancura e a ansiedade de colorir é a primeira grande sensação provocação. Não raro as primeiras frases são a própria tradução deste vazio. Nada se compara ao prazer de terminar as primeiras páginas, quando já se pode reler e onde se revelam, entre a palidez dos ontens, bons desenhos para colorir. A escolha das cores faz cada momento ritualmente tão significativo que muitas vezes dá vontade de apagar só pra fazer tudo de novo.
Reconheço os sinais dessa misteriosa narrativa, sempre sublinhando a poesia dos gestos e a beleza dos diálogos e monólogos. Formada e deformada assim, por vezes lanço nas páginas, análises e juízos inevitáveis. Reconheço, no entanto, que os melhores parágrafos dessa vida foram escritos quando me joguei no colo e pulei no pescoço da fruição. Foi assim que colori essas telas brancas, combinando tintas com a ponta dos dedos, em borrões sem compromissos com nitidez nem bom tom. Alimentei sem culpa minha paixão sem-vergonha pelas entrelinhas, onde sempre me encontrei e me escondi. Me criei no abstrato. E carrego esse desejo doido, tantas vezes não consumado, de traduzi-lo. Por isso, nesse novo capítulo, me despeço de vez do tédio do cartesianismo e vou atrás de olhos oblíquos pra me seduzir.
Gosto mesmo é de ler a vida pelas linhas tortas. E faço delas as minhas.