Ela acordou mais uma vez, mas só agora decidiu se levantar. Afastou os lençóis, que há dias não se estiravam na cama, pôs os pés no chão e observou, por minutos, a confusão de papéis, miçangas, cinzas, roupas e mais uma infinidade de objetos revirados pela cabine escura naquela silenciosa manhã. Ouviu os passos do hóspede lá fora e decidiu segui-los, buscando esquecer um pouco do caos do tempo e do espaço.
Reparou em tudo fora do lugar e teve um impulso enorme de limpeza e arrumação. Mas impulsos tinha muitos e tudo que fez foi sentar-se novamente entre a poeira e esperar pelo nada. Ele a fez mover uma, duas ou três vezes mais de lugar, mas tudo que ela pedia era diálogo, por favor, ouça e diga. Ele pôs novamente os fones de ouvido e disse comece. Ela lhe mandou lavar pratos, pois era ele o culpado da maior parte daquela sujeira de restos e, assim, rude e muda como aquele céu, isolou-se na proa para tomar um pouco de ar na trégua da chuva.
Um sol envergonhado de outono iluminou a palidez de olheiras fundas. Entendeu que estava novamente na estação passada apenas quando notou a grande quantidade de folhas secas que o vento havia trazido junto com o assobio enlouquecedor que acompanhava suas madrugadas insones.
As folhas a levaram novamente ao píer que desembarcara em Manhatã. À imagem da ilha nublada na primeira aurora do domingo de outubro. À sombra da liberdade vigiada, vista de longe, na iminência de uma explosão. Ao vento sombrio de quem via, pela primeira vez, aquele chão desconhecido se aproximar dos seus pés, marcados por outro setembro, também de morte, como era a borda do rio que envolvia aquela cidade.
Não, balançou negativamente a cabeça por segundos, enquanto acendeu seu quarto cigarro na sequência, eram os fotogramas rápidos do mesmo tênis desbravando as ruas sujas, indo quase sempre pra lugar nenhum, que queria recordar e mostrar a ele. Queria contar da força que brotava de si na travessia de ruas numeradas, na proporção que aumentavam seus pêlos, seu peso, seus quilômetros rodados. A força que a levara até ali.
A pintura borrada daquela manhã e as folhas secas naquele chão, entretanto, apenas remontavam seu cenário de solidão em Manhatã. O esconderijo do exílio compulsório. O alheamento na multidão estrangeira. Os não-entendimentos fonéticos, semânticos e comportamentais. As lembranças trazidas pela proximidade do inverno, provocadas pelo vazio do hiato. O grande frio interior abafado por malhas e lãs.
A sensação que ela sentia era qualquer coisa como estar pelo avesso, quando assistia o despir das árvores imaginando os que ela amava entre as novas e verdes folhas da outra temporada, da primavera que prosseguia em sua ausência. Sua vida continuava andando em algum lugar sem seus pés? Onde, exatamente? Era aquele o lugar certo? O tempo certo?
Eram iguais as perguntas do outono tropical. Ele a trouxe de volta com o barulho da porta se abrindo, veio em sua direção enxugando as mãos na bermuda e perguntou se ela podia dar-lhe algo que não fosse silêncio. Ela só o queria ali, mudo, quis dizer, para amá-la em sua solidão. Perto, dentro de casa.
Pediu, então, calada, apenas abraço para suportar o novo frio sem sobretudos, sem entretantos.
Ele deu.
Talvez devessem parar por aqui.
Reparou em tudo fora do lugar e teve um impulso enorme de limpeza e arrumação. Mas impulsos tinha muitos e tudo que fez foi sentar-se novamente entre a poeira e esperar pelo nada. Ele a fez mover uma, duas ou três vezes mais de lugar, mas tudo que ela pedia era diálogo, por favor, ouça e diga. Ele pôs novamente os fones de ouvido e disse comece. Ela lhe mandou lavar pratos, pois era ele o culpado da maior parte daquela sujeira de restos e, assim, rude e muda como aquele céu, isolou-se na proa para tomar um pouco de ar na trégua da chuva.
Um sol envergonhado de outono iluminou a palidez de olheiras fundas. Entendeu que estava novamente na estação passada apenas quando notou a grande quantidade de folhas secas que o vento havia trazido junto com o assobio enlouquecedor que acompanhava suas madrugadas insones.
As folhas a levaram novamente ao píer que desembarcara em Manhatã. À imagem da ilha nublada na primeira aurora do domingo de outubro. À sombra da liberdade vigiada, vista de longe, na iminência de uma explosão. Ao vento sombrio de quem via, pela primeira vez, aquele chão desconhecido se aproximar dos seus pés, marcados por outro setembro, também de morte, como era a borda do rio que envolvia aquela cidade.
Não, balançou negativamente a cabeça por segundos, enquanto acendeu seu quarto cigarro na sequência, eram os fotogramas rápidos do mesmo tênis desbravando as ruas sujas, indo quase sempre pra lugar nenhum, que queria recordar e mostrar a ele. Queria contar da força que brotava de si na travessia de ruas numeradas, na proporção que aumentavam seus pêlos, seu peso, seus quilômetros rodados. A força que a levara até ali.
A pintura borrada daquela manhã e as folhas secas naquele chão, entretanto, apenas remontavam seu cenário de solidão em Manhatã. O esconderijo do exílio compulsório. O alheamento na multidão estrangeira. Os não-entendimentos fonéticos, semânticos e comportamentais. As lembranças trazidas pela proximidade do inverno, provocadas pelo vazio do hiato. O grande frio interior abafado por malhas e lãs.
A sensação que ela sentia era qualquer coisa como estar pelo avesso, quando assistia o despir das árvores imaginando os que ela amava entre as novas e verdes folhas da outra temporada, da primavera que prosseguia em sua ausência. Sua vida continuava andando em algum lugar sem seus pés? Onde, exatamente? Era aquele o lugar certo? O tempo certo?
Eram iguais as perguntas do outono tropical. Ele a trouxe de volta com o barulho da porta se abrindo, veio em sua direção enxugando as mãos na bermuda e perguntou se ela podia dar-lhe algo que não fosse silêncio. Ela só o queria ali, mudo, quis dizer, para amá-la em sua solidão. Perto, dentro de casa.
Pediu, então, calada, apenas abraço para suportar o novo frio sem sobretudos, sem entretantos.
Ele deu.
Talvez devessem parar por aqui.